Durante uma viagem pela Índia, estive em Kedarnath, no Estado de Uttarakhand, nordeste do país. A região abriga alguns templos sagrados, por isso é rota de peregrinação percorrida por milhões de devotos indianos. Para chegar lá, a 3.550 metros de altitude, percorre-se 14 km a pé, de mula, cavalo ou palanquim (um trançado suspenso para carregar pessoas). Fazer o trajeto de helicóptero é também uma das opções, mas utilizada por poucos. A paisagem é uma mistura de contrastes com encostas arborizadas, cachoeiras, famílias itinerantes que vivem em condições precárias e picos com neve. Este cenário pode ser, por vezes, amedrontador. Em certos trechos, paredões se revezam com precipícios.
Neste lugar, os moradores na sua maioria falam um dialeto estranho, então me comunicava mais por olhares e gestos. Tudo era muito diferente. À noite, a luz terminava cedo porque não havia energia elétrica para toda a noite. Kedarnath é um lugar remoto nos pés do imponente Himalaia, onde moram, em média, 500 pessoas durante três estações do ano. No inverno, todos abandonam a montanha por conta das fortes nevascas.
No primeiro dia, quando a noite caiu, um homem entregou dois baldes de água quente no quarto. Era hora do banho, um conforto para corpo e mente após 14 quilômetros de caminhada. Lá fora fazia frio. Mais tarde, quando o homem recolheu o balde, o segui com o olhar pela janela. Ele entrou em uma construção de madeira, sem pintura, em frente à pousada. Como a janela estava entreaberta pude ver um fogão rústico, que lembrou o fogão à lenha da casa da minha vó. Mas me inquietei: de onde tiravam a lenha para abastecê-lo?
Quando amanheceu, saí pelo pequeno vilarejo. Avistei as geleiras e a neve branquinha nos picos imponentes. Sobre os telhados das poucas casas, secava algo estranho. Tirei uma foto para investigar depois. Nas ruas, muita gente, cheiro de incenso, barraquinhas que simbolizavam o comércio local. A maioria dos visitantes chegava e partia no mesmo dia, tempo suficiente para visitar o templo de Shiva. No local, não havia infraestrututura para acomodar tantos turistas, que segundo as estatísticas chegaram a 30 milhões em 2010 (em toda a região).
Na hora do almoço, lembrei que só estávamos degustando aquela deliciosa comida, porque mulas, cavalos e iaques carregaram todos os alimentos. Foram também estes animais que levaram as mochilas do nosso grupo e ainda algumas pessoas. Mas durante os dias que passei no povoado não vi mais os animais por ali. Provavelmente estavam servindo a outros.
Numa pequena montanha mais distante dava para avistar umas bandeirinhas coloridas. Não fui até lá, mas soube por um dos colegas de grupo que um homem morava naquele pico. Sozinho. Praticamente sem nada. Havia muitos sadhus no local, aqueles que deixam todos os seus bens materiais e moram em cavernas, florestas e templos.
Deixei Kedarnath de helicóptero, voando em meio a um cenário indescritível. Não levei nada dali na bagagem. Toda a experiência me faria lembrar para sempre daquele lugar. Na mente ainda pairava um certo mistério sobre a vida naquela montanha mística e a montanha na vida das pessoas e dos animais. Tanta coisa para absorver em poucos dias.
Dias depois, já em outra arte do país, descobri que o que secava no telhado eram os excrementos dos animais. Misturados com palha pelos moradores, se transformavam no combustível do fogão, aquele que aquecia a água do meu banho de canequinha.
Neste contexto, estes animais tornam a vida na montanha mais possível. No entanto, geralmente passam despercebidos como integrantes do ciclo da vida seja aqui ou acolá.
0 Comentários