As casas foram perdendo espaço para os edifícios. As torres de concreto se espalharam por todos os lugares e crescem dia-a-dia mais e mais altas, como que querendo chegar ao céu. Esta ocupação vertical nos deixou cada vez mais distantes da vida das ruas.
Não pisamos mais na terra. Nem sentimos mais o aroma das flores da praça. Não encaramos os efeitos das nossas ações: o lixo que não separamos, a luz que não apagamos, a água que não economizamos e tantos outros. Não notamos mais os bueiros entupidos, nem o forte cheiro que vem do riacho. Não percebemos o mendigo caído na ponte, nem as crianças que se drogam à luz do dia num cantinho de um prédio.
Não pisamos mais na rua. Não sentimos que está encharcada quando chove. Não pulamos mais amarelinha – desenhada na estrada de barro ou marcada de giz no asfalto -, nem pulamos corda, nem poças d’água. Não sentamos nos bares com mesas nas calçadas. Não ouvimos os diferentes sotaques, nem os sorrisos e nem nos emocionamos com alguém que chora pela estrada afora.
Do prédio para o trabalho e do trabalho para o prédio, todos os dias de carro. Do alto do prédio e no trajeto, vemos pouco. A altura, o concreto, o elevador, a velocidade do automóvel, a poluição, o retrovisor, tudo edita as imagens naturalmente. Neste cenário, é impossível ver a vida real que acontece na rua, aquela que nos deparamos no mesmo plano, quando moramos numa casa ou quando encaramos o trajeto, a pé ou de bicicleta.
Sim, temos acesso a cenas reais e sem edição quando olhamos para fora da janela do edifício. Mas dali, tudo fica menor. Até as pessoas parecem tão pequenas, que as ignoramos. Tudo está mais distante, impossível de nos atingir. O cheiro da rua não chega até o nosso andar. E pra que se ater a rua? Da sacada é mais belo apreciar o céu. Ele nos presenteia com o infinito, e às vezes, luzes em forma de estrelas. E ainda tem o sol e a lua, que sem permissão invadem nosso apartamento. Pena que não podemos voar.
Só voltamos nossa atenção para a rua quando a mãe Terra se manifesta ou o povo se une em protesto. Nas enchentes, voltamos a olhar de perto a estrada e as casas alagadas. Na seca, paramos para ver o rio que mingua a cada dia. E aí até relembramos de questões políticas, meio ambiente e blá blá blá. Nas passeatas, nos unimos ao movimento.
Olhamos a rua quando ela nos chama. E ela tem nos chamado cada vez mais. Talvez para mostrar que a vida que acontece ali não pode ser invisível, ignorada. Talvez para provar que a vida que acontece todos os dias na rua é parte da nossa vida, independente de estarmos no 10º andar. Talvez para ensinar que estamos conectados e precisamos voltar a ter os pés no chão, literalmente, ou aprender a voar.
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